Jota e Jury
by Valeria Sasser
Lá pros lados do Nordeste, numa cidadezinha miúda, encravada no meio do sertão da Paraíba, havia um sítio de bom tamanho. Essa gleba começava no riacho que corria à leste, juntava-se ao norte e ao sul com terras alheias e à oeste, beirava a estrada que ia até o litoral.
Havia nesse sítio, uma casa de formas modestas, mas de ambientes confortáveis, ou pelo menos confortáveis à maneira do sertão. A vasta varanda de cimento vermelhão polido com cera, varava de ponta à ponta a fachada da casa e redes de várias cores ali estavam para o deleite dos meninos da família, nas tardes de preguiça e calor intenso, como só o sertão tem.
Um desses meninos era o Jota. Um menino de pele morena, pequenino, barrigudinho, de pernas fortes, com a cabeça grande típica do lugar e olhos muito brilhantes. Jota era o mais novo dos irmãos e sempre, ou era deixado de lado dos folguedos de seus irmãos mais velhos, ou era usado como gandula ou poste. Isso sempre o irritava muito, mas naquele lugar, naquela idade e com sua baixa estatura, reclamar era inútil.
Como o tempo demorava muito a passar naquelas bandas e todo desconforto parecia durar uma eternidade, Jota decidiu juntar-se aos adultos na lida diária para ter um pouco de sossego. E assim o fez.
Nos primeiros dias, tudo era novidade: o arado, o broto novo saído da terra escura, o sol queimando a boca e os ombros, a comida fria, mas gostosa que a mãe mandava entregar, o céu incandescente no pôr-do-sol. E havia também Jury, uma égua mansa, manchada de branco, que os trabalhadores usavam para o transporte de ferramentas e alguns ítems de necessidade no campo. Jury logo se apegou ao Jota, e ele, à ela. Mas era um relacionamento de amor e ódio.
Jota se protegia do sol embaixo de Jury e essa andava para o lado para deixá-lo descoberto. De propósito. Jury bebia água e respingava em Jota. Jota comia banana e atentava a égua com a casca quase vazia de fruta. O cheiro da banana deixava o animal louco, porque ela adorava bananas. Jota comia a fruta até quase o toco, olhando no olho do animal, que por sua vez pousava o olhar fixo na banana. Ele, então, dava o cotoco de banana para ela, que comia com tanta voracidade que quase lhe mordia a mão. E ele ria!
Ainda assim, um não vivia longe do outro.
Um dia, não conseguiam equilibrar uma certa carga nos jacás de Jury e bastava ela dar dois passos para ficar estressada com o desequilíbrio em cima de si e parar relinchando irritada com os jacás tortos no lombo.
Até que um peão do sítio olhou pro Jota, olhou para o jacá, tirou o chapéu, coçou a cabeça, olhou de novo para os dois e propôs: “Porqui é que num butamu o minino Jota nu outro jacá de contra-peso? Ele mi pareci du tamanhinho exato di contra-peso!”
E assim, o pai de Jota pegou o seu filho e, depois de mandar mudar toda a carga para um jacá só, colocou o menino no outro.
Perfeito contra-peso! E lá foi Jury com o Jota encarapitado em seu jacá, olhando para o menino com olhos de égua curiosa a cada dez passos, porquê, afinal, esse era um ponto de vista totalmente novo para ela, que sempre tinha Jota ao seu lado, mas no chão.
O Jota, esse ficou com um pouquinho de medo na primeira vez, depois aprendeu a dobrar as perninhas de modo confortável e passou a desfrutar do passeio, afinal menino sertanejo não tem medo de coisa pouca.
Jury, seguindo seus instintos maternais nunca exercidos porque ela era híbrida, começou também à cuidar e a desfrutar de seu pequeno companheiro no lombo. Mesmo quando não havia carga, ela relinchava, ficava inquieta, mostrava os dentes até que Jota subisse e se encarapitasse no jacá. Daí, Jury saía, pode-se dizer, saltitante de felicidade. E Jota também apreciava esse amor do animal por ele.
Assim, Jury e Jota ‘Contra-Peso” ficaram conhecidos por aquelas bandas por conta dessa amizade sincera e profunda de que desfrutavam. Até que Jota cresceu, Jury envelheceu e a vida os levou em diferentes direções, como sempre acontece com meninos sertanejos e éguas híbridas.
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