12.17.2009

A Bola Negra, por Valeria Sasser


Não ouvia direito havia já um bom tempo. Os diálogos das novelas já não lhe eram claros e precisos. O marido, um grosso, ficava ainda mais grosso cada vez que ela pedia para ele repetir o que dizia. O netinho, bem pequeno, falava bem alto, porquê já tinha percebido o probleminha da avó.
A avó era um senhora bem apanhada, com o cabelos grisalhos sempre arrumadinhos, cheirosa, limpinha, e também assim trazia sua casa, sempre em ordem e asseada. Era de um capricho só. Mas parecia que estava ficando surda mesmo, uma pena.
A situação estava ficando insustentável, quando ela finalmente, pediu que a filha a levasse ao otorrinolaringologista (ela achava essa palavra dificílima, e a repetia sempre que possível para mostrar sua habilidade com a pronúncia).
Era um fim de tarde meio chuvoso, inverno, dias longos, e lá foram as duas para o otorrino.
O médico, bem paciente, repetia alto o que ela não entendia, afinal estava bem acostumado com pacientes meio-surdos, quando não completamente surdos.
Começou, então, o exame. De repente, o médico parou, deu uma olhada interrogativa à senhora, girou no banquinho, pegou um instrumento estranho na bandeja em cima do balcão, e tornou à ela. Com cuidado, enfiou aquele instrumento no ouvido da senhora, que se assombrou. Com mais cuidado ainda, foi retirando de volta o instrumento.
Na ponta no mesmo, veio uma massa negra meio oval, parecia um girino, com rabinho e tudo. Era enorme e, de cara, não dava para distinguir o que era. A senhora pensou que o netinho lhe havia enfiado uma bola de gude no ouvido enquanto dormia, mas logo descartou a idéia. A filha, do outro lado da cadeira, olhava com olhos esbugalhados, sem fala, aquela coisa que saiu de sua mãe. Que coisa esquisita, parecia um bicho morto. Ela também achou que parecia um girino.
O médico esplicou-lhe que era uma bola de cera ancestral que estava em seu ouvido, e que por isso sua audição estava tão ruim.
A massa negra, então, saltou do instrumento enquanto o médico falava e rolou oblongamente na direção do ralo do consultório, vagarosamente escorregou pela abertura, caiu pesada no fundo e lá ficou, olhando os três humanos com cara de pastel cá em cima. O médico abriu a água da pia e essa, pelo ralo, carregou a bola de cera pra longe.
O médico ainda lhe dava alguns conselhos sobre higiene auricular, mas a senhora, muito envergonhada, já estava vestindo o casaco e agradecendo enquanto saía, após ouvir alto e claro tudo que lhe foi dito, logo à ela, tão limpinha, tão asseada.

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