5.04.2011

O sol de dez quilates

Imigrar é fácil, duro é viver com as memórias, as boas, é claro. Escrevi essa frase hoje bem cedo, quando cheguei no trabalho, e estou prestes a sair (ok, daqui há ainda longos 40 minutos) e ela, tão somente ela, me encarava no papel branco exposto na tela de cristal líquido (ou será plasma?). Tenho de ir em frente. É o quebrar do ovo que o Eric Meisel fala em seu livro sobre escrever e escritores.

A caminho do trabalho hoje, pensava eu no ônibus como o Rio é lindo naquele mesmo horário, essa época do ano. Às 7 ou 8 da manhã, quando se sai do Elevado da Perimetral e toma-se o caminho do Aterro do Flamengo, o asfalto reluz no brilho dourado da manhã de outono carioca. O Outeiro da Glória, agora minúsculo ponto de história no alto do poluído bairro, parece flutuar no dourado-pálido do sol ainda fraco do dia menino. As folhas grandes das árvores tropicais ao longo do caminho, ainda úmidas de orvalho, refletem, aqui e ali, o mesmo sol fraco, esparramando ouro dez quilates em sua superfície. O ar da manhã, ainda não poluído pelos milhares de veículos que virão ao longo dia, ainda meio frio, segura suspensa uma poeira típica das cidades, e essa poeirinha também reflete o sol fraco e parece iluminar de dourado etéreo a cidade que vai despertando. Não consigo esquecer desses detalhes (nem quero), que minha alma de poeta tantas vezes observou. Daqui, da asséptica San Francisco, sem poeiras, nem manhãs douradas de tal intensidade, nem gente que olha pela janela dos veículos, só me restou conviver com a memória do lugar de onde venho e suspirando pesado, fechei os olhos e tentei espantar a lembrança, pensando no email que teria de escrever ao chegar aqui.